UM LIVRO SOBRE AS CONSTELAÇÕES SISTÉMICAS NAS PRISÕES
O livro Levo o Teu Coração no Meu Coração, de Dan Booth Cohen, é um marco histórico na aplicação das constelações sistémicas em contextos de privação de liberdade. Fruto de uma pesquisa de doutoramento e de cinco anos de trabalho direto com presos condenados por homicídio nos Estados Unidos, a obra documenta o uso inovador da abordagem sistémica de Bert Hellinger como ferramenta terapêutica e humanizadora dentro de um estabelecimento prisional.
Ao longo de encontros mensais numa prisão de Massachusetts, Cohen facilitou constelações com homens condenados à prisão perpétua. O objetivo era revelar dinâmicas familiares inconscientes que pudessem estar na origem de seus comportamentos violentos, aquilo a que Hellinger chamou de “emaranhamentos sistémicos”. Esses processos, muitas vezes transgeracionais, surgem quando membros da família são excluídos, injustiçados ou esquecidos, e os seus destinos passam a ser repetidos ou compensados inconscientemente por descendentes.
Como diz Cohen, “no silêncio dos nossos pensamentos inquietos e sonhos, no lugar mais íntimo do nosso ser, as experiências que aconteceram com nossos ancestrais insistem em se fazer presentes dentro de nós. Para a maioria, aparecem como pesadelos ou ataques de pânico, esquecimento ou tristeza. Para aqueles reclusos… essas memórias e sofrimentos emergem como crimes violentos.”
Este livro demonstra como, através das constelações sistémicas, esses homens, amplamente considerados como irrecuperáveis, puderam aceder a histórias familiares de trauma, exclusão, perda e desamparo. Em muitos casos, a violência que cometeram parecia vinculada, não por justificativa, mas por pertencimento invisível, a destinos anteriores das suas linhagens. As sessões favoreceram a reconexão desses indivíduos com a sua própria história e, mais importante ainda, com a responsabilidade pelos seus atos. Como relata Cohen, “o ponto culminante dessas vivências foi a aceitação da responsabilidade e das consequências de seus crimes, não como imposição, mas como um reconhecimento profundo”, efeito este que uma sentença por si só não produz.
Nesse sentido, Levo o Teu Coração no Meu Coração vai além da dimensão clínica retratada, na medida em que contribui para o campo da justiça sistémica e restaurativa e para os debates sobre a saúde mental no sistema prisional. A constelação sistémica, ao permitir que o agressor se reconheça como parte de um sistema maior — onde vítima e perpetrador pertencem, abre espaço para o arrependimento genuíno, para a reconciliação simbólica e para uma possível reparação interna.
O título ao livro, sendo parte de um poema de E.E. Cummings, sintetiza a proposta de Cohen. “Carregar o coração do outro no próprio coração” é, para ele, o gesto essencial da constelação, o que nos permite romper o ciclo da exclusão e reatar os laços invisíveis da dignidade humana.
Publicado originalmente em 2009 e traduzido para português em 2019, a obra segue inspirando profissionais de constelações, psicologia, direito e políticas públicas. Dan Booth Cohen oferece-nos, assim, uma possibilidade concreta de cura coletiva: olhar até mesmo os destinos mais sombrios com um olhar sistémico, sem negar a dor ou a culpa, mas com a coragem de incluir. Porque só o que é incluído pode ser transformado.
A sua relevância é crescente em países como o Brasil e Espanha, onde programas semelhantes têm sido desenvolvidos no sistema judiciário e prisional há já vários anos. Quiçá um dia em Portugal!
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