Nascido e criado numa aldeia em Mafra, desde tenra idade que o juiz Joaquim Manuel Silva soube que o Direito seria o seu caminho. Filho de pai moleiro e de mãe padeira, gente honrada e trabalhadora com quem aprendeu a arte de cozer pão, começou a sua jornada de estudante no curso de filosofia. Estudando e trabalhando simultaneamente numa empresa multinacional, em 1990 iniciou o seu percurso no mundo do Direito e em 1999 ingressou no Centro de Estudos Judiciários, exercendo desde então as funções de juiz, atualmente no Juízo de Família e Menores de Mafra, sua terra natal. O que se segue é um pouco da visão do homem que é conhecido como o juiz amigo das crianças, que diz ser Juiz do Sistema Familiar e que hoje trazemos à conversa, num exercício de consciência sistémica.
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Eu diria que desde que me conheço! A minha grande paixão pela área de jurisdição de família e crianças é reflexo do que me motiva enquanto pessoa, o contacto com a realidade das pessoas, famílias e da sociedade. Recordo-me dos tempos no tribunal do Cadaval, em que procurava casas para integrar as famílias, como devem calcular algumas com realidades desafiantes. No entanto, o meu objetivo era chegar ao final e ficar com toda a aprendizagem daquela experiência e guardar as expressões de realização das pessoas que consegui ajudar.
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Ao longo da minha carreira e sobretudo do meu desenvolvimento enquanto pessoa, apercebi-me que fomos formatados para fazermos as coisas de uma determinada maneira. Muitas vezes, sem as questionar. Fazendo jus à minha formação de base em filosofia fui estranhando e, simultaneamente, questionando os processos de uma advocacia não preparada para agir de forma não contenciosa, ficando com a sensação de que a advocacia se traduz em ganhar ou perder. A isto acresceu uma estranheza ainda maior nestes processos de família, pelo facto de não se ouvirem as crianças. E foi aqui que aconteceu a grande revolução. É a partir daqui que desenvolvo a minha própria forma de olhar para os processos, com um olhar abrangente e foco na justiça restaurativa, que apoia o sistema na sua reformulação, ajudando os pais separados a evoluírem e a construírem uma família, agora de pais apenas numa relação parental, matando o casal conjugal, psicológico. O sistema não estava preparado para isto.
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O paradigma vigente ou maioritário, é um paradigma separatista, dual. Existe o bem e o mal, as vítimas e os culpados. A visão sistémica é mais abrangente quando tem em linha de conta o contexto, o dito e o não dito. Não podemos olhar pai e mãe em separado, porque é o equilíbrio do sistema parental que vai contribuir ou não para o correto desenvolvimento da criança. O direito, baseado na ideia de Descartes, é também separatista. Contudo, se lermos o Erro de Descartes, está lá tudo.
Se lermos com olhos de ver, vamos perceber que há aqui um erro, e esse erro é o erro da separatividade, porque o “penso, logo existo” não é bem assim. Eu penso, não penso e depois existo. Eu primeiro existo, sou emocional, sou animal, mamífero, com marcas brutais do ponto de vista emocional, que são o exterior, que me marca positiva pu negativamente, e condiciona toda a produção do pensamento. E quase tudo é inconsciente, e como também do ponto de vista do corpo, sabe-se hoje que o corpo não tem só neurónios no cérebro, tem neurónios no coração, 40 mil, tem milhares de neurónios nos intestinos, também na coluna, tem uma série deles, e, portanto, tudo isso interfere diretamente no comportamento.
Desde que tenho esta visão, deixei de ser juiz de censura e passei a ter em consideração os efeitos psicológicos, porque as marcas emocionais são enormes quando estamos a falar da destruição de uma família, de filhos, a falar de problemas económicos resultantes das questões da separação, e outras.São situações muito complicadas, até as pessoas voltarem a cair em si e conseguirem olhar a reformulação do seu sistema familiar, sem mágoas e sem raivas.
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Sim, começo por falar com todas as crianças a partir dos 4, 5 anos. Claro que se fala com estas crianças com a sua maturidade. Às vezes, não é tanto o que eles dizem, é muito mais que tipo de comportamentos (se são seguros, se são inseguros, como é que está o seu sistema familiar, se gera stress ou alegria) E isso é fundamental porque eu sei que esta criança não aguentará num sistema stressante porque ela vai ter um processo longo de desenvolvimento, portanto, eu sei que isso será inibidor do seu desenvolvimento. Eu ouço a criança para ver se tenho ou não algum trabalho a fazer. A partir desta observação consigo percecionar como a criança se sente no seu sistema familiar e, mediante isso, definir um plano de trabalho a desenvolver com ela. Isto é fundamental para garantir que aquela criança, que está em pleno processo crescimento, se desenvolva num ambiente harmonioso e equilibrado. Recordo-me, em particular, de uma criança de 5 anos que me falava dos seus avós maternos e paternos, dos seus pais e ainda incluiu os seus animais. A alegria com que se expressou associada a este olhar amplo sobre o seu sistema, permitiu perceber que ela estava em harmonia e equilíbrio com o mesmo.
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Sim, já tinham um sistema. Contudo, existem outras realidades mais desafiantes, por exemplo quando as crianças vêm falar mal da mãe ou mal do pai, eu sei que aquele sistema precisa de ser reconstruído, restaurado. Como aquelas em que a criança traz tristeza ou uma perceção menos boa do seu pai ou da sua mãe. Nestas situações, em concreto, concluo que o seu sistema familiar precisa de ser reconstruído/restaurado. Para que este processo se desenvolva é necessário ter conhecimento de quem integra o seu sistema familiar, além do seu pai e da sua mãe, padrasto ou madrasta; e envolver os mesmos no caminho da solução que traz harmonia. Este caminho irá trazer libertação e evolução para o todo e para cada um no papel que tem naquele sistema.
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Exatamente. Isto é um respeito pelas pessoas porque transmitir estes conhecimentos é dizer assim “não é porque eu quero, é porque o seu filho necessita e há aqui coisas que ninguém lhe ensinou” e quem não sabe, não saber é o nosso dia a dia, não é? Podemos é aprender e isso muda tudo. Quando eu passo essa informação, muito dos pais resolvem logo o problema, mas nem todos têm capacidade de insight. Então coloco um conjunto de serviços de apoio que tem terapias cognitivas, terapias sistémicas, comportamentais, ocupacionais, com cães, tem mentoring. Enfim, um conjunto de respostas que o sistema judicial tradicional não tem.
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Já tive terapeutas de constelações e neste momento tenho 2 técnicos, um interno e um externo, que têm formação em constelações. Há já bastantes trabalhos científicos, a nível de universidade, que mostram a grande diferença quando se faz, por exemplo, psicologia com constelações e sem constelações e os resultados são completamente diferentes. O princípio das constelações é o de que os genes não levam só códigos, levam também tudo o que são os nossos antepassados. Quando me refiro a tudo é tudo, bem resolvido ou mal resolvido, bom ou menos bom. Significa que isto se irá repercutir nos nossos comportamentos. Tudo isso são fatores, de um lado genético, que perturbam depois os outros aspetos. Isso é a certeza de que isso influencia o comportamento e quando fazemos esse trabalho, realmente eu em processos muito complicados colocava isso e os resultados eram absolutamente maravilhosos. Alguns mesmo que eu poderia considerar quase mágicos, “como é que é possível? De inimigos a amigos”.
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Da minha experiência posso dizer que regressam muito menos. Estamos a falar de processos que envolvem pessoas e a sua abertura e predisposição para a mudança. Eu procuro mostrar o caminho que possa trazer maior equilíbrio para todos, no entanto, o caminho da mudança tem de ser realizado por cada um. Além disso, como deve ser do vosso conhecimento, por vezes as próprias advocacias são contenciosas e tendem a influenciar os clientes para não irem por este caminho. Contudo, começo a perceber que a mudança deste paradigma está a acontecer em Portugal e deixo os meus parabéns aos advogados que trilham caminho em busca de novas formas de resolução de conflito. Este novo paradigma leva a que haja menos processo, menos incumprimentos e menos alterações.
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Eu digo sempre que o vosso filho precisa da família, da mãe e do pai, da família paterna e da família materna. São todos da mesma família! Uma frase que é dita muitas vezes, que é de uma psicóloga, diz que os filhos precisam que os pais “matem” o casal conjugal, o psicológico, e que construam uma relação minimamente positiva na relação parental, deixando aquela criança livre entre toda a gente. Só assim ela se vai desenvolver como eles querem. Se não fizerem isso, vão destruir o seu próprio filho. E eu acho que isso ninguém quer, eu sei que não quer.

Entrevista publicada na Revista SIM n.º 258 – abril 2021
Os tribunais de familia tem de funcionar de uma forma diferente.
Todas as pessoas envolvidas deveriam ser cuidadosamente selecionadas, deviam ter motivação e, para além da formação de base, formação complementar adequada ao trabalho que se espera desenvolvam com pleno conhecimento e consciencia
As decisões que são tomadas tem repercussões para o resto da vida das criancas e, também, das familias.
Muitos tribunais fomentam a alinacao e devastam a vida das criancas e das famílias.
Admiro imenso o juiz de Mafra. E um juiz que procura conhecer a realidade e tenta perservar a familia.
As criancas não são objetos e nao são de ninguém.
Os pais e restante família só tem de as amar incondicionalmente para poderem crescer saudavelmente seguras e em segurança.
Fala se tanto no superior interesse da crianca mas, com muita frequências, esse superior interesse não e garantido e as criancas ficam refens de pais manipuladores sendo vítimas de um sistema que, na verdade,
não as protege.
Estas crianças ficam com sequelas para o resto das suas vidas. Não é justo! Quem as protege?
Um extraordinário exemplo de cidanania. Um Homem com visão ampla e futurista na esteira dos verdadeiros interesses das crianças. Um patrocinador da justiça restaurativa e pioneiro com práticas na justiça que servem, precisamente, as nossas crianças. Só não concorda com o modelo deste grande senhor aqueles que se alimentam por interesses terciários que não os direiros das crianças. Força para nunca desistir.
Os comentários (apenas dois) que aqui leio, são bastante válidos. Desde já os meus parabéns. Porém, encaro com estranheza o facto de se apresentarem, quase, como anónimos… Será pela polémica que está envolta deste Juiz?
Há que dar a cara, pois independente dos ditos e mexericos… Queiram ou não, os alucinados, este, é, um Enorme Juiz.
Agora que foi publicado o meu comentário, não entendo a razão do site omitir foto e fonte.