É urgente olharmos com espanto, surpresa e encanto, e esta série é uma grande oportunidade para o fazer.
Quando nos permitimos viver com olhar de aprendiz, há sempre algo a revelar-se no novo e no desconhecido. Há sempre algo de mistério em nós e no outro por descobrir.
Este É o convite que faz a série produzida na Turquia por Nuran Evren Sit, “Um Novo Eu”, disponível na Netflix, ao retratar com especial beleza e criatividade o quão está o nosso passado guardado algures dentro de nós, mesmo quando não nos lembramos dele. Beleza essa que podemos também ver espelhada na magnífica fotografia da pequena cidade do litoral da Turquia onde são feitas grande parte das gravações, Ayvalik, um destino que ficará certamente na mira dos viajantes.
A série fala de “expansão da família de origem”, que mais não é do que a técnica criada por Bert Hellinger para resolver os traumas que existem na memória do sistema familiar. É extraordinariamente bela a forma como a produtora da série retrata o impacto deste trabalho terapêutico fenomenológico ao contar a história de três amigas que, sendo confrontadas com os seus traumas transgeracionais, tomam consciência das ligações com as suas vidas atuais e da correlativa oportunidade que essa tomada de consciência lhes oferece para se distanciarem desse padrão e se libertarem de amarras invisíveis.
Isto porque, de forma inconsciente, repetimos histórias e situações que foram dolorosas, excluídas, ocultas, veladas e mantidas em segredo, pois a memória do sistema familiar nunca se perde. O que é excluído e não é visto poderá ser um padrão ao longo de gerações e resultar, inclusivamente, numa doença que chega para se incluir o que foi excluído, para se ver o que não foi visto.
Independentemente do lugar de onde assistimos a série, cada um dos oito episódios amplia o nosso olhar ao vermos a constelação familiar como um meio de cura e de transformação das vidas das suas personagens, sendo visivelmente belo e necessário o impacto do passado e dos traumas transgeracionais para que cada um se liberte e escreva a sua própria história. Assim, é através do reconhecimento da lealdade ao sistema familiar que o poderemos aceitar e honrar para seguir em frente.
O processo terapêutico é conduzido na série pelo amoroso e firme Zaman, que reflete a integridade e honestidade que devem pautar a conduta de quem ocupa este lugar, atuando apenas em função da observação das leis sistémicas no campo e respeitando sempre que o que acontece está ligado, única e exclusivamente, à família do cliente. O que importa, segundo ele, é tratar primeiro as raízes para que a árvore doente possa dar novos frutos, usando a metáfora associada ao nome original da série, “A Oliveira.”
Neste processo terapêutico de tratar as raízes, nem sempre (ou quase nunca) os resultados são imediatos, como pode fazer crer o ritmo eletrizante e acelerado da série e de quem se rende a esta obra de sensibilidade singular. A integração dos movimentos que a constelação familiar impulsiona implica tempo e rendição para que a mudança do paradigma nas relações possa acontecer.
Trata-se de uma série corajosa e audaz que nos convoca a olhar os traumas herdados da dinâmica familiar que tantas vezes nos aprisionam e condicionam, como se um fio invisível nos ligasse às histórias traumáticas vividas pelos nossos antepassados. A questão que coloca é, “se soubéssemos quanto o passado nos afeta, ainda evitaríamos confrontá-lo?”
É, sem dúvida, um brilhante trabalho cinematográfico sobre as Ordens do Amor (ou Leis Sistémicas) que, num cenário com o Mar Egeu no horizonte e tudo o que isso representa no mundo das emoções, faz uma adaptação poética do tanto que os desequilíbrios e desajustes da ausência de pertencimento, do respeito pela hierarquia familiar e da falta de equilíbrio entre dar e receber são a origem de todos os traumas e dores do ser humano.
Uma série para ver e rever tantas vezes quantas as necessárias para sentirmos ao longo da vida a força do nosso sistema familiar, tomando consciência dos laços invisíveis que nos ligam aos antepassados, e também da origem dos nossos medos e sintomas, tudo em nome da coragem de seguir em frente de forma mais livre e saudável.
Só honrando os nossos antepassados poderemos seguir o nosso próprio caminho.
Como revelou Bert Hellinger, “tudo o que rejeitamos, apodera-se de nós. Tudo o que respeitamos, deixa-nos livres.” Que assim seja!
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