“Tudo pode ser tirado de um homem, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas, escolher a sua atitude em qualquer conjunto de circunstâncias, escolher o seu próprio caminho.”
A partir da lente do trauma, Viktor Frankl explora os fundamentos da logoterapia, a terceira escola vienense de psicoterapia, propondo uma reflexão sobre a natureza da dor psíquica, da experiência extrema e da possibilidade de transcendência por meio do sentido. Partindo da sua própria vivência nos campos de concentração nazis, o autor escreveu Em busca de sentido, e vem provar que o trauma não é apenas rutura e desintegração, mas também uma oportunidade radical de reconstrução da subjetividade.
O trauma não é apenas uma ferida. É uma descontinuidade que desestrutura o sujeito e o mergulha num território desconhecido de si mesmo. Neste livro, Viktor Frankl oferece muito mais do que um testemunho pungente da experiência nos campos de concentração, sendo também uma elaboração filosófica e psicoterapêutica sobre o que pode restar do humano quando tudo lhe é retirado, a liberdade, dignidade, e o futuro.
A pergunta que surge no coração do livro é silenciosa, mas radical. Será possível continuar humano quando tudo o que sustenta a humanidade é arrancado? Frankl responde que sim, desde que se encontre um sentido para a vida.
Frankl descreve o quotidiano no campo de concentração como um colapso da estrutura temporal da vida. O tempo deixa de ser linear; o futuro é incerto, o presente é sofrimento e o passado torna-se um lugar de nostalgia quase irreal. Essa suspensão temporal é uma das marcas mais profundas do trauma: o sujeito traumatizado vive, mas vive preso a um agora absoluto, um presente que se repete como dor, que se fecha sobre si mesmo.
A desumanização, tanto externa (pelo sistema), quanto interna (pela perda da esperança), faz com que o indivíduo se reduza à luta pela sobrevivência biológica. Mas Frankl observa que aqueles que resistiam psicologicamente ao trauma eram os que encontravam um “para quê” viver. Nas palavras do autor, “quem tem um porquê enfrenta qualquer como”, frase que sintetiza sua visão terapêutica e existencial.
A logoterapia, abordagem desenvolvida por Frankl, entende o ser humano como um ser em busca de sentido. Diante do trauma, essa busca torna-se mais do que um recurso terapêutico: é um gesto de resistência ontológica. Ao contrário das abordagens psicodinâmicas que mergulham no passado, a logoterapia projeta o sujeito em direção ao futuro, ainda que esse futuro seja uma postura interior diante do sofrimento inevitável. No campo de concentração, Frankl percebeu que aqueles que mantinham vivos os laços afetivos, a fé, ou mesmo uma missão pessoal (como escrever um livro, reencontrar um ente querido ou preservar a sua dignidade), sobreviviam não apenas fisicamente, mas também subjetivamente. O trauma, neste contexto, pode ser um marco de viragem, não apenas uma dor a ser superada, mas uma encruzilhada onde se decide o tipo de pessoa que se deseja ser.
Em busca de sentido não romantiza o trauma. Ele é cruel, devastador. Mas Frankl insiste que mesmo na dor mais extrema há liberdade. Uma liberdade trágica, sim, pois não se escolhe sofrer, mas uma liberdade última: a de escolher a atitude com que se enfrenta o sofrimento.
Essa dimensão transcendente do trauma é talvez o ponto mais revolucionário da obra de Frankl, propondo que o sofrimento pode tornar-se uma tarefa, uma missão, um chamamento ético. Esta ideia ressoa com o conceito de “sublimação trágica”, em que a experiência traumática, ao ser compreendida, simbolizada e integrada, se pode tornar solo fértil para o crescimento espiritual e para a solidariedade com os outros.
Em tempos marcados por múltiplas formas de trauma, individual, coletivo e histórico, a obra de Viktor Frankl é um farol silencioso. Em vez de negar o sofrimento, acolhe-o. Em vez de anestesiar a dor, interroga-a. Em vez de prometer soluções rápidas, oferece uma bússola: o sentido, o “para quê”. Trata-se de um testemunho singular que reconfigura o lugar do trauma na experiência humana, mostrando que, mesmo nas circunstâncias mais inumanas, é possível afirmar a humanidade e encontrar, na escuridão, um raio de luz.
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