“QUANDO A MÃE SE LIBERTA, O FILHO ENCONTRA O CAMINHO”

Kwenda Lima

“É no encontro com o outro que tenho notícias de mim”, revela Rolando Toro, pois é essencialmente na relação com o outro que me descubro e me vejo. O encontro de dois seres carrega em si notícias de cada um, mostrando partes de quem são que, sem ele, não saberíamos existirem. Assim, quanto maior o encontro for, mais notícias teremos de nós próprios e maior será a revelação de nós através do outro.

Por isso o encontro entre uma mãe e um filho é um presente divino que permite a dois seres viverem juntos a magnífica experiência de cuidar e de afetar o outro no seu expoente máximo. Porque é este o encontro primordial, a base de todos os relacionamentos que teremos vida fora. É uma relação que começa muito antes do nascimento, uma vez que a perceção inconsciente de uma criança acontece inclusivamente antes da conceção. Depois do nascimento, a mãe é a sua ligação à vida; por ela chegam as primeiras sensações e experiências, e com ela vive-se o primeiro sucesso: alimentarmo-nos para nos mantermos vivos. Daqui em diante sucedem-se inúmeros movimentos para alcançar o que precisamos para sobreviver, o que, em diferentes níveis e contextos, vai determinar o sucesso na vida.

Ser mãe começa dentro. Com um sim a um convite a mergulhar bem fundo no que ficou em nós da história que vivemos. Um convite a estar na companhia de tudo o que se sente, de tudo o que se atravessa. Um convite a estar em contacto com toda a luz e sombra que nos compõe para sermos capazes de aceitar o quão extraordinárias somos nessa caminhada que é a maternidade.

Sendo este o primeiro encontro que temos na vida, podemos dizer que todas as relações começam aí, entre mãe e filho, onde também acontecem os primeiros e grandes desencontros. Todos sabemos que a mãe representa um papel especial na vida dos filhos, mas importa lembrar e assumir que é também a mãe que leva grande parte dos humanos para a terapia com conflitos internos gigantes e avassaladores, sendo causa de grandes dores. A mãe que temos, e porventura a mãe que somos, determina consciente e inconscientemente o fluxo das nossas vidas e das vidas dos nossos filhos, sendo por isso de extrema importância o olhar sistémico sobre esta relação, quer na perspetiva de filho, que todos somos, quer na perspetiva de quem é mãe.

Uma constelação sistémica familiar permite compreender as dinâmicas e os padrões dessa relação, dando um toque de leveza ao tomarmos a mãe no coração para podermos seguir em frente. Por seu lado, as mães poderão ver e sentir a importância de quebrar ciclos e de transformar a narrativa do seu clã, libertando os filhos para viverem de forma mais livre e menos condicionados.

Com Bert Hellinger, através das três leis que regem os relacionamentos humanos (equilíbrio, pertencimento e ordem) evoluiu substancialmente a metodologia das constelações que vinha já a ser desenvolvida. O seu maior legado é a importância da observação destas três leis nos relacionamentos para que sejam saudáveis e bem sucedidos. Entre mães e filhos importa acima de tudo olhar para o que compõe essa relação para além do amor que existe entre eles. Esta abordagem sistémica ajuda a identificar o momento em que o fluxo do amor foi interrompido e quais as leis que estão em crise nesse relacionamento. Muitas vezes, a postura com a qual nos relacionamos com os filhos é o reflexo da nossa postura em relação aos nossos pais.

Com as constelações sistémicas familiares aprendemos que fazemos parte de um sistema familiar do qual fazem parte também antepassados, descendentes e familiares próximos, sendo o verdadeiro trabalho do constelador trazer à luz as dinâmicas desse sistema, os movimentos entre pais e filhos, a exclusão de alguém, para depois poder restaurar as leis sistémicas na família, convidando a uma nova postura transformadora.

Quando uma mãe ensina um filho a aceitar a família que tem, mesmo quando existem conflitos aparentes, está a ensinar-lhe a lei do pertencimento. Quando lhe ensina a respeitar quem veio antes dele, ensina-lhe a lei da hierarquia, e quando o leva a entender que deve estar disponível para dar e receber na relação com os seus familiares, permite-lhe descobrir o significado da lei do equilíbrio.

Esta consciência permitirá cuidar do que vivemos na gestação e na infância, expandindo e mantendo viva na sua essência a criança que está em todos nós. É um processo para gente grande, um processo que dói, mas que revela o que nem sempre somos capazes de ver e de sentir: toda a nossa força. Porque onde está a dor está também a cura.

A maternidade é um convite a olhar em frente, mas é no olhar sobre o passado que se define como se caminha para o futuro, e não propriamente o que acontece nessa narrativa. E é aqui que a constelação pode transformar a realidade, humanizando a mãe aos olhos do filho, pois permite que ele a veja como uma pessoa como tantas outras.

A magia acontece aqui, quando os filhos são asas e as mães raízes. Porque a autonomia do filho começa na autonomia da mãe, a maior expressão de amor que pode haver. Porque autonomia é liberdade, e liberdade é amor.

Artigo publicado na Revista SIM n.º 276 |  novembro 2022