” Eu estava num carrinho, deitada, virada para a minha mãe. Lembro-me muito bem. Foi no dia em que nasci. Nasci em casa. A médica, Teresa Paula, estava ali com a minha mãe. Esta memória deve-se à psicanálise, é aí que conseguimos lembrar coisas mágicas. É também um susto. Não me recordava de nada disto antes de fazer psicanálise. Quando contei à minha mãe, ela ficou assustada, pensava que a psicanálise era perigosa. Disse-me para eu acabar com aquilo. A minha recordação inaugural tinha de ser a minha mãe. O que é de mais perto de nós é sempre com as mães.” Maria Teresa Horta
Palavras de uma beleza singular sobre a íntima relação entre a terapia e o vínculo materno, palavras que refletem o impacto da terapia na recuperação de memórias inconscientes e sublinham a centralidade da mãe na estrutura emocional do indivíduo.
Somos feitos de memória, consciente e inconsciente. Maria Teresa Horta sabia e escreveu-o magistralmente, em particular quando o tema era a ligação à sua mãe e às inúmeras influências transgeracionais que sentia terem moldado a sua identidade, como por exemplo a sua querida avó Camila. A terapia, descobriu cedo, foi uma forma que encontrou de resgatar essa memória transgeracional, tornando-a consciente, e assim, reconectar-se à sua origem e aos seus.
No pressuposto que temos em nós memórias e padrões que não são apenas nossos, mas pertencem também ao sistema familiar de que somos parte, Maria Teresa Horta escreveu sobre o resgate de uma lembrança do seu nascimento a que acedeu num processo terapêutico com hipnose, sendo um exemplo muito claro da manifestação dessas memórias profundas que carregamos dentro de nós, que transcendem o nível consciente e que estão ligadas a uma herança emocional e energética transmitida. A hipnose é, na verdade, uma forma extraordinária de aceder a essas memórias, resgatando vivências que, ou pelo tempo, ou pela sua intensidade, estavam guardadas em gavetas, aparentemente esquecidas.
Tal como a sua vida, a obra da poetisa é marcada pela relação que teve com a sua mãe, Maria Carlota, uma das mulheres que mais a incitou à liberdade, pese embora toda a ausência e abandono que norteou o sentimento de ser sua filha. Sistemicamente, a mãe representa a origem, a nutrição e o primeiro vínculo do ser humano, o que Maria Teresa Horta descreve como “recordação inaugural”, aquele momento de conexão com a mãe que expressa a ideia de que, para cada indivíduo, a relação com a mãe é um dos aspetos essenciais para o desenvolvimento da identidade. Essa “recordação inaugural” poderá ser entendida como uma busca pelo pertencimento e pelo reconhecimento do seu lugar dentro do sistema familiar, o que foi na verdade um grande tema e uma busca constante na sua história de vida. Segundo a psicanálise freudiana e as teorias do apego de John Bowlby, a relação mãe-filho é o primeiro espelho no qual nos reconhecemos e estruturamos as nossas emoções, a nossa confiança no mundo e a capacidade de nos relacionarmos com os outros. Esse contacto inicial define modelos internos de segurança ou insegurança que podem ser revisitados na terapia. A lembrança do nascimento simboliza um reencontro com o princípio da existência e com o primeiro olhar que nos acolhe no mundo.
A reação da mãe ao relato da sessão terapêutica da filha e o seu medo em relação à terapia em si podem ser entendidos dentro das lealdades invisíveis que influenciam os indivíduos a se manterem alinhados com as normas e crenças familiares, mesmo de forma inconsciente, cumprindo assim um padrão. Quando a mãe reage com medo, dá sinal de que revisitar certas memórias pode representar uma rutura com padrões antigos, algo que pode gerar desconforto dentro do sistema. Na visão sistémica, os filhos assumem muitas vezes pesos emocionais dos pais e antepassados, sendo o processo terapêutico o caminho ideal para trazer à consciência aspetos que estavam reprimidos.
O medo quanto à possibilidade de aceder a essas memórias surge, assim, como resistência ao inconsciente coletivo familiar, e pode ser entendido como um mecanismo de defesa diante de algo que não deveria ser lembrado dentro do sistema familiar por forma a garantir a repetição do padrão, sendo o silêncio e a negação mecanismos de proteção para evitar o confronto com traumas ou padrões herdados. Segundo Bert Hellinger, a família mantém um equilíbrio sistémico que pode ser ameaçado quando alguém começa a questionar ou trazer à tona lembranças profundas. O medo da mãe pode ser uma tentativa de preservar esse equilíbrio, evitando que a filha desenterre algo que deveria permanecer oculto.
Acontece que nascemos para ser livres, tal como a vida e a obra desta poetisa tanto nos inspiram e convocam. À pergunta de como gostaria de ser lembrada, responde: “Como poetisa, como aquilo que sou. Como uma mulher que pode ser insuportável porque cumpre os seus ideais. (…) O que não esqueço nunca? A liberdade. Não esqueço nunca que estou em liberdade. Acordo e digo: estou em liberdade.” E para tanto, para descobrir aquilo que és, para cumprires os teus ideais, para viveres livre, para integrares a importância do vínculo materno, das memórias ancestrais e das dinâmicas inconscientes que moldam a tua identidade, faz terapia (palavra “terapia” vem do grego THERAPEIA, e significa “o ato de curar”)!
O primeiro olhar recebido ao nascer é também o primeiro espelho da alma: a mãe. Revisitar esse momento pode ser um profundo ato de reconciliação contigo mesmo e com a tua própria história.
Maravilhoso, profundo, inteligível! Muito obrigada 🙏