“O que não é lembrado com consciência, repete-se como destino.”
Esta Dor Não É Tua, de Mark Wolynn, é um significativo contributo para o campo das terapias sistémicas e do entendimento da transmissão transgeracional do trauma. Através de uma linguagem acessível e profundamente humana, o autor propõe que muitos dos sintomas físicos, emocionais e comportamentais que enfrentamos não surgem necessariamente das experiências pessoais diretas, mas são ressonâncias de histórias não resolvidas vividas pelos nossos ancestrais. Atravessa temas que vão das constelações sistémicas, à epigenética comportamental e às teorias da memória transgeracional.
Abrindo o debate com a psicologia contemporânea, que defende que os traumas não vividos apenas moldam os indivíduos que os experienciam diretamente, Mark Wolynn defende a possibilidade de serem transmitidos às gerações seguintes, dizendo que “quando permanecem não resolvidos, os traumas do passado não desaparecem, eles ecoam no presente como se quisessem ser vistos e reconhecidos.” Esta Dor Não É Tua afirma-se como uma ponte segura entre neurociência, a psicologia clínica e as práticas terapêuticas sistémicas, na medida em que o autor fundamenta a sua posição, tanto em relatos clínicos documentados, como com pesquisas científicas recentes, propondo uma visão ampliada sobre a origem do sofrimento humano.
Explorando a ideia de que os traumas familiares não resolvidos se manifestam nas gerações seguintes por meio de padrões emocionais, fobias, doenças ou comportamentos repetitivos, Wolynn fala-nos da memória transgeracional e de como os eventos marcantes, como guerras, mortes traumáticas, abusos, rejeições, perdas ou separações abruptas, podem deixar marcas emocionais profundas que são herdadas inconscientemente pelos descendentes. Estas marcas não se resumem à narrativa verbal da família, pois são muitas vezes transmitidas através do silêncio, da exclusão ou da vergonha, o que torna esses traumas ainda mais difíceis de aceder e de curar. Nesse sentido, a proposta de Wolynn dialoga com as teorias de Anne Ancelin Schützenberger, Carl Jung e Bert Hellinger, todos atentos à presença de lealdades invisíveis nos sistemas familiares.
Um dos aspetos mais inovadores do livro é a ponte que o autor estabelece com a epigenética, o campo da biologia que estuda como os fatores ambientais e emocionais podem influenciar a expressão genética sem alterar a sequência do DNA. Estudos das últimas décadas demostram que os traumas severos podem alterar os mecanismos epigenéticos e que essas alterações podem ser herdadas. Tal constatação reforça a hipótese de que o sofrimento pode ter raízes em experiências prévias, mesmo que não vividas diretamente pelo indivíduo. Wolynn apoia-se nas pesquisas realizadas com filhos de sobreviventes do Holocausto, veteranos de guerra, e vítimas de desastres naturais para ilustrar como sintomas como ansiedade, depressão, insónia e dores crónicas podem estar associados a traumas familiares não resolvidos.
A obra propõe um método próprio, Language of the Core Complaint (“Linguagem da Queixa Central”), que ajuda o leitor a identificar a origem sistémica do seu sofrimento a partir das palavras e imagens recorrentes que emergem na sua fala. Este processo permite mapear memórias emocionais herdadas e, a partir daí, iniciar um processo de reintegração e reconexão com a linhagem familiar. A lógica sistêmica aqui é clara: os membros de uma família estão interligados por vínculos profundos, e o que não é resolvido por um, será inconscientemente assumido por outro. Esta ideia está intimamente ligada com a teoria das constelações sistémicas preconizada por Bert Hellinger, que propõe que o equilíbrio no sistema familiar só é restaurado quando há inclusão, reconhecimento e honra relativamente às dores e aos destinos dos antepassados.
A potência do livro reside na sua mensagem de esperança, pois apesar de a dor poder não ter começado em nós, a sua cura pode, e deve, passar por nós. Ao trazer à consciência padrões inconscientes herdados, é possível dar um novo significado às memórias, libertar vínculos de dor e retomar o próprio destino com mais leveza e clareza.
Neste sentido, Esta Dor Não É Tua convida o leitor a olhar para a sua história com mais profundidade e compaixão, no sentido da sua autoresponsabilidade e do amor, não o amor cego que repete, mas o amor maduro que compreende, liberta e transforma.
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