Era uma vez um país de homens brancos que tinha um rei.

Era uma vez um rei que tinha um sonho.

Era uma vez um sonho que tinha naus, e marinheiros, e lonjura.

Era uma vez um rio que tinha um velho que não tinha sonho.

E o rio era irmão do mar, que era irmão do mostrengo.

Era uma vez o escuro que se chamava Baco.

Era uma vez a luz que se chamava Vénus.

As naus perguntaram um dia ao rio o que era a lonjura, e o rio, que era irmão do mar, disse que a lonjura era o escuro.

Então, o sonho entrou nas naus, e o escuro fez-se luz e a lonjura novas terras.

Era uma vez uma terra de homens brancos e uma terra de homens negros que tinham dois reis.

Era uma vez dois reis que tinham dois sonhos.

Era uma vez dois sonhos que tinham um menino branco e um menino negro que não brincavam juntos.

Um dia, a terra perguntou ao rei negro o que era o sonho e ele olhou a lua; e ela perguntou ao rei branco o que era o sol e ele olhou o sonho. E no seu sonho havia dois meninos, e o sol, e duas terras que queriam ser um país, mas não havia lua.

O rei branco quis explicar ao rei negro que ele era apenas lua, mas não conseguiu; quis dizer-lhe que o menino branco era o sol e o negro apenas lua, mas não conseguiu.

Anoiteceu. O rei branco e o rei negro estavam na praia, e os meninos não brincavam… E o sonho estava impaciente, e o sol já não estava, e a lua, apenas a lua, permanecia…

Amanheceu, mas a lua não se foi e a luz do sol magoava os olhos dos meninos.

Então, o rei branco acordou e quis que a lua se fosse embora para que o seu sol brilhasse mais… e com ele os eu sonho…

E o rei negro, que tinha olhado a sua lua toda a noite, estava cansado…

Entontecido, cego de olhar o seu sol, o seu sonho, o rei branco disse ao rei negro:

– É preciso que eu ensine o menino negro a brincar com o menino branco sob o meu sol.

E o rei negro, sem erguer os olhos para aquele sol, respondeu_

– O teu sol magoa os olhos dos meninos. Sabes tão pouco da sua sensibilidade…

O rei branco, indignado, replicou:

– Sou um rei, sou um branco, tenho um sonho, e tu nada sabes!

Erguendo-se, na sua majestade, buscou uma alga seca e com ela fez um pequeno círculo na areia branca da praia, e disse:

– Isto é o que tu sabes.

À volta do pequeno círculo desenhou outro, muito maior, e acrescentou:

– E isto é o que eu sei.

O rei negro, levantou-se então vagarosamente, olhou a lua, que teimosamente continuava disputando ao sol um pouco de azul, e com a mesma alga ressequida, envolveu os dois círculos num só, muito maior, e murmurou:

– E isto é o que, nem tu, nem eu, sabemos.

E o tempo não varreu aqueles círculos jamais, e os meninos nunca brincaram, e as terras nunca foram país, e o mar trouxe os destroços nas naus, e o velho, que estava no rio, viu como o sonho anoitecia…

Pandora, pseudónimo de uma menina de 13 anos