“A cura é um trabalho de escuta, onde se encontra a verdade escondida nas emoções.”
Rainer Maria Rilke
O que acontece dentro de nós quando nos colocamos no lugar do outro? Que mistérios se desvelam quando damos corpo a histórias que não são nossas, e mesmo assim as sentimos como se fossem? Estas são algumas das perguntas que surgem quando mergulharmos no universo das constelações sistémicas.
Esta ferramenta terapêutica, amplamente expandida por Bert Hellinger nos anos 90, ganhou espaço em vários países, incluindo Portugal. Para muitos a sua prática é, no mínimo, intrigante: um grupo de pessoas que se reúne, em que alguns dos presentes são convidados a representar membros da família de um participante que coloca um tema, muitas vezes antepassados, figuras ausentes ou até mesmo conceitos como a dor, a justiça ou a doença. O mais fascinante? Esses representantes relatam sensações físicas e emocionais que coincidem, de forma surpreendente, com o vivido pelas pessoas que representam.
Esse fenómeno descrito no mundo académico como perceção substitutiva desafia explicações simples. Como é possível que alguém que não conhece a história de outra pessoa consiga sentir algo que, aparentemente, lhe pertence? O estudo recente de Alonso e Jiménez (2024) procura compreender esse fenómeno, propondo um olhar que respeita tanto a ciência como o mistério da experiência humana. Os autores percorrem várias teorias, desde as neurónios-espelho até à física quântica, passando por conceitos como o inconsciente coletivo ou a ressonância mórfica, mas reconhecem que nenhuma explicação é, até hoje, plenamente satisfatória do ponto de vista científico.
Uma das propostas mais ousadas vem do biólogo Rupert Sheldrake, com a sua teoria dos campos morfogenéticos. Segundo Sheldrake, existe um tipo de memória da natureza que atua como um campo invisível de informação, uma rede de hábitos que influencia o comportamento e a forma dos seres vivos. Esses campos, específicos de cada grupo (seja uma espécie, uma família, uma cultura), guardam padrões que se repetem no tempo, e funcionam por ressonância mórfica: quanto mais um padrão se repete, mais facilmente ele se manifesta de novo. Assim, ao entrar numa constelação, os representantes não estariam apenas a dramatizar situações, mas sim a sintonizar-se com o campo mórfico daquela família, um campo onde os traumas, os amores, os segredos e os destinos se mantêm vivos, como ecos à espera de serem escutados.
Há quem veja na constelação uma forma de empatia profunda e materializada, quase pré-verbal, onde os corpos se sintonizam sem a mediação da linguagem. Outros falam de sincronicidade, como Carl Jung que descreve como coincidências significativas que escapam à lógica causal. Alguns ousam até sugerir que o fenómeno se aproxima da telepatia ou de estados ampliados de consciência, semelhantes aos induzidos por práticas espirituais ou rituais ancestrais. Seja como for, uma coisa é certa, os relatos de quem participa nas constelações apontam para uma experiência genuína e transformadora. Algo acontece, deveras. Algo muda. Pelo que são as evidências dos seus resultados que legitimam as próprias constelações.
As constelações extravasam a questão terapêutica, pois evocam um conhecimento ancestral, um saber do corpo, da linhagem, de toda a memória que vive em nós, mesmo que não tenhamos consciência disso. Neste contexto, a cura não vem da explicação racional, mas da representação simbólica, do movimento espontâneo, da escuta das emoções sem nome.
O facilitador da constelação, longe de ser um diretor de cena, atua mais como um guia silencioso. O seu papel é desvendar e escutar os gestos, acolher os silêncios e permitir que uma nova imagem do sistema em causa (familiar, judicial, organizacional etc.) se revele, uma imagem mais harmoniosa, que traga alívio e compreensão ao participante para que, desta forma, se possa curar ou resolver uma questão.
Talvez o maior valor das constelações sistémicas não esteja em fornecer respostas definitivas, mas em abrir espaço para que possamos sentir de forma diferente e ver mais além. Num mundo obcecado por dados, lógica e certezas, a constelação convida-nos a mergulhar no invisível, a confiar no corpo, na intuição, e a reconhecer que há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a filosofia.
É certo que a ciência ainda não conseguiu explicar por completo o que se passa nas constelações sistémicas. E talvez não tenha de o fazer. Porque o essencial não é compreender. O essencial é sentir. E pelo sentir, transformar, curar e resolver. Como diz o poeta, a verdade está sempre “escondida nas emoções”.
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