O conflito é apenas um sintoma, de algo que precisa de ser “olhado”, para ser incluído e curado. 

Maria Luz Godoy 

O recurso às constelações sistémicas na justiça a nível mundial apoia-se na aplicação da metodologia sistémica e filosófica preconizada por Bert Hellinger no âmbito da resolução de conflitos, no pressuposto de que os conflitos legais têm raízes nas dinâmicas familiares inconscientes das partes envolvidas. Trata-se de uma ferramenta que permite olhar a justiça como um campo de pacificação, e não de batalha, defendendo uma postura inclusiva que procura o equilíbrio e a paz para todas as pessoas que vivem o conflito. Isto porque, na verdade, todos fazemos parte de um sistema familiar interligado, e os problemas ou conflitos muitas vezes têm origem em padrões herdados ou nas dinâmicas inconscientes dessa estrutura, que são transmitidas de geração em geração. Essas dinâmicas podem incluir padrões de exclusão, lealdades invisíveis, injustiças não resolvidas e traumas familiares.

Esta mudança de paradigma no que toca à justiça também se tem feito sentir em Portugal, onde as constelações sistémicas familiares também estão a ganhar espaço como prática complementar na resolução de conflitos, especialmente nos processos relacionados com o direito de família, apesar de ainda ser mais restrita e menos institucionalizada quando comparada ao Brasil. A aplicação das constelações no direito integra-se também com práticas de justiça restaurativa que pretendem resolver conflitos de forma colaborativa e menos combativa. Essa prática tem sido particularmente útil em casos de:

– Divórcios e regulações de responsabilidade parentais;

– Conflitos de heranças;

– Questões de violência doméstica;

– Adoções e reconhecimento de paternidade;

– Conflitos em organizações.

A constelação ajuda a trazer à superfície os aspetos emocionais e psicológicos que muitas vezes não são abordados nas soluções legais tradicionais, promovendo um acordo mais pacífico entre as partes, na medida em que permite a tomada de consciência das dinâmicas que estão por detrás do conflito.

A aplicação das constelações sistémicas familiares nos processos jurídicos reflete uma tendência global de incluir abordagens restaurativas e alternativas à resolução de conflitos, exigindo uma abordagem cuidadosa e estruturada, com profissionais capacitados que atuem no respeito absoluto dos limites éticos e legais do sistema judicial. Apesar deste método mais humanizado ser mais conhecido quando aplicado em situações que envolvem relações familiares, também se aplica aos demais conflitos, sendo os seus resultados eficazes e duradouros. Esta abordagem considera os conflitos que chegam à justiça não apenas como questões jurídicas formais, mas como manifestações de dinâmicas familiares mais profundas. A justiça sistêmica entende o sistema familiar como um todo, e os conflitos legais como uma expressão de desequilíbrios dentro desse sistema.

A constelação sistémica pode ser sugerida em diferentes momentos do conflito, sendo que o ideal será realizar-se antes do processo entrar no tribunal. No entanto, mesmo nesta fase judicial, a constelação pode ocorrer:

   – Antes da audiência: Em muitos casos, as constelações são propostas durante sessões de mediação e conciliação, antes de ser proferida a decisão pelo juíz. A ideia é que, com essa técnica, as partes possam chegar a uma solução amigável sem necessidade de uma decisão imposta;

   – Durante o processo: As constelações podem ser usadas em paralelo com as audiências e procedimentos judiciais formais, ajudando as partes a entender a dinâmica familiar ou sistêmica que pode estar alimentando o conflito; e inclusivamente

   – Após a sentença: Mesmo após a sentença, a constelação pode ser utilizada como forma de amenizar ressentimentos e tensões entre as partes, facilitando o cumprimento pacífico das decisões judiciais.

Com o aumento do interesse em métodos alternativos de resolução de conflitos, as constelações sistémicas familiares ganham cada vez mais espaço no cenário jurídico em Portugal. O recurso a esta técnica dependerá da aceitação por parte de advogados, juízes e mediadores, bem como da conscientização sobre os benefícios de uma abordagem sistêmica para resolver conflitos de natureza emocional e familiar.

A aplicação das constelações sistémicas na justiça faz parte de um movimento de pacificação em crescendo pelo mundo, com especial expressão no Brasil, na Alemanha, México, Argentina e Espanha. Em Portugal ainda estamos numa fase embrionária, sendo usadas por alguns juízes em tribunais de Família, e em contextos privados de mediação e resolução de conflitos familiares. Apesar de ainda não haver uma estrutura institucional formal como no Brasil, tudo indica que esta metodologia ganhará cada vez mais força pelos resultados que obtém, o que na verdade validará a sua aplicação no mundo da justiça.

Artigo publicado na Revista SIM n.º 299 de outubro de 2024