A série coreana “Aprendizes de Advogados”, disponível na Netflix, é um reflexo profundo do que significa pertencer a um sistema, aprender as suas regras, e ao mesmo tempo, questionar o lugar que nele ocupamos como tão bem dita a “má-consciência” que Bert Hellinger nos ensinou, extravasando assim a narrativa à volta de jovens juristas a descobrir os meandros do mundo do Direito.
Muito mais do que um mero perfil, as personagens da série representam a expressão de um campo relacional, onde forças invisíveis, familiares, sociais e institucionais, influenciam comportamentos e ditam escolhas. O Direito surge aqui como o palco onde se revelam as dinâmicas que existem quando o conflito se instala, tais como lealdades inconscientes, repetições, tentativas de compensar ou reparar o que, no sistema, ficou em aberto.
Ao longo da série observamos jovens advogados divididos entre o dever e o sentir, um conflito tão presente na prática jurídica que revela uma tensão permanente e sistémica. Falamos do choque entre a ordem do sistema formal (as leis, as normas, a estrutura hierárquica) e a ordem do sistema humano (a alma, a ética, as leis do amor – necessidade de pertença, hierarquia e equilíbrio). Quando um dos sistemas é ignorado, o equilíbrio desaparece e o profissional da ajuda, aqui advogado, sente o peso disso no corpo, na mente e no coração.
Na perspetiva de uma advocacia sistémica, o advogado é um promotor de justiça que procura desvendar as desordens que o conflito traduz, para que a justiça possa emergir no campo da reconciliação, e não da punição. O exercício do Direito transforma-se, assim, numa arte de restabelecer fluxos interrompidos de amor entre pessoas, gerações e contextos.
Em “Aprendizes de Advogados”, este movimento é visível nas histórias pessoais de cada aprendiz. Aquele que busca aprovação carrega, muitas vezes, o olhar ausente de um pai ou de uma mãe. A que luta contra a injustiça social repete o destino de uma mãe que também não foi ouvida. A série mostra, de forma bela e subtil, que nenhum caso jurídico existe isolado da história dos seus protagonistas, mostrando assim que todas as relações jurídicas são, antes de tudo, relações humanas.
O sistema jurídico, por sua vez, reflete o próprio sistema humano na sua rigidez e hierarquia, muitas vezes mais preocupado em manter a ordem do que em acolher o caos necessário à transformação. O caos que sempre precede a transformação. Porque é justamente no caos, na dúvida, na incerteza, no erro e na vulnerabilidade que o verdadeiro aprendizado acontece no esplendor da humanidade dos seus protagonistas.
Encerrar um processo, numa perspetiva sistémica, não acontece quando é proferida uma sentença. Encerrar um processo sistemicamente é permitir que algo se resolva dentro e fora do tribunal, dentro e fora de cada uma das partes, que serão agora capazes de reconhecer o seu novo lugar no sistema então em conflito, um lugar de paz. E é exatamente aqui que a justiça se revela, na pacificação do conflito.
A série “Aprendizes de Advogados” revela esta evolução jurídica e humanista, mostrando que o Direito não é apenas um campo de lógica, mas um campo de alma, onde o mais importante não é ter razão, mas sim ter paz. A grande arte desta nova advocacia reside em desvendar o que, no sistema em conflito, precisa ser visto, reconhecido e integrado!
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