UM OLHAR SISTÉMICO E TRANSGERACIONAL
A história de gêmeos que crescem separados e, ao se reencontrarem anos depois, descobrem semelhanças extraordinárias nas suas vidas desperta muito fascínio e obriga-nos a questionar muita coisa: Serão essas coincidências meros acasos ou estaremos perante forças mais profundas? A partir de uma perspetiva sistémica e transgeracional, podemos olhar para estes acontecimentos como expressões de um campo maior que transcende a própria individualidade dos gêmeos, uma espécie de teia invisível a que estão verdadeiramente ligados.
Um dos casos mais impressionantes de gémeos separados à nascença é o de Jim Springer e Jim Lewis. Nascidos em 1939 no estado de Ohio, ambos foram adotados por famílias diferentes sem que uma soubesse da existência da outra. Apesar da separação, AS suas vidas seguiram caminhos surpreendentemente paralelos. Ambos receberam o nome de James (e apelido de Jim), ambos tiveram cães chamados Toy, ambos se casaram com mulheres chamadas Linda e ambos, após o divórcio, se casaram novamente com mulheres chamadas Betty. Além disso, ambos tiveram filhos batizados de James Alan, trabalharam na área de segurança e conduziram o mesmo modelo de carro.
Quando se reencontraram aos 39 anos, descobriram mais semelhanças: sofriam das mesmas dores de cabeça, tinham o hábito de roer as unhas e partilhavam interesses idênticos. A história destes gémeos chamou a atenção da comunidade científica, tendo-se tornado objeto de um estudo académico profundo.
O caso dos gémeos Jim foi estudado pelo psicólogo Thomas Bouchard, da Universidade de Minnesota, no contexto do famoso “Estudo de Gémeos Criados Separados”. O estudo acompanhou 137 pares de gêmeos idênticos que foram separados à nascença e criados em ambientes distintos e territorialmente afastados. Os resultados desafiaram muitas concepções sobre a influência do ambiente e da hereditariedade no comportamento humano.
Entre as descobertas, constatou-se que os gémeos idênticos separados apresentavam semelhanças marcantes em personalidade, inteligência, interesses e até mesmo em traços de saúde, como o mesmo tipo de dores de cabeça. Esses achados reforçaram a ideia de que a hereditariedade desempenha um papel fundamental na formação da identidade e dos comportamentos humanos.
Na abordagem das constelações familiares desenvolvida por Bert Hellinger, postula-se que existe um campo morfogenético que conecta os membros de um sistema familiar, independentemente da distância ou do contato direto. Esse campo carrega informações que influenciam padrões de comportamento, preferências e até mesmo trajetórias de vida. Assim, a conexão entre gémeos separados no nascimento poderia ser compreendida como uma manifestação desse campo, onde as suas vidas seguem um roteiro de alguma forma já inscrito na história familiar.
A transmissão de padrões também ocorre a nível transgeracional. Estudos sobre epigenética demonstram que experiências de gerações passadas podem influenciar a expressão genética dos descendentes. Isto significa que traumas, lealdades invisíveis e mesmo preferências inconscientes podem ser herdados sem que haja contacto direto com os antepassados. O caso dos gémeos Jim pode ser visto como uma repetição de dinâmicas familiares inconscientes.
A ciência procura explicar estas coincidências através do determinismo genético e das influências do ambiente, mas a visão sistêmica sugere que também estamos sujeitos a “lealdades invisíveis” dentro do sistema familiar. Muitas vezes, repetimos histórias para trazer à luz dinâmicas não resolvidas, como se estivéssemos a serviço de um equilíbrio maior dentro da linhagem.
A separação de gémeos no nascimento pode ser compreendida como uma interrupção no fluxo natural do vínculo, gerando uma necessidade inconsciente de reconstruí-lo. Esse vínculo pode-se manifestar por meio de comportamentos similares, padrões de vida idênticos e até sintomas físicos compartilhados, como dores de cabeça idênticas relatadas por alguns gêmeos reencontrados.
O reencontro de gêmeos separados desafia a ideia de que somos apenas resultado do ambiente e da educação, convidando-nos a olhar para uma dimensão mais ampla, onde existe um fio invisível conectando as nossas histórias familiares. A perspetiva sistémica e transgeracional lembra-nos que carregamos mais do que os nossos próprios desejos e experiências individuais. Somos, na verdade, a continuidade de um campo que atravessa gerações.
Talvez, ao compreendermos estas forças, possamos não apenas reconhecer as coincidências, mas também utilizá-las como chaves para aceder a um entendimento mais profundo sobre quem somos e de onde viemos.
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