O silêncio está de volta

(e porque as organizações conscientes deveriam prestar muita atenção)


“Numa sociedade líquida, onde tudo escorre e se dispersa, as Silent Reading Parties devolvem-nos a solidez rara do silêncio partilhado.” Zygmunt Bauman

O fenómeno das Silent Reading Parties (SRP) e formatos irmãos (Silent Book Club, Reading Rhythms) está em grande expansão porque oferece pertencimento sem performance, conexão sem ruído e tempo de qualidade sem ecrã, inegavelmente três carências centrais da vida contemporânea. Trata-se de um ritual cívico minimalista que reequilibra atenção, corpo e laços sociais. Se a tua organização fala de saúde mental, foco e cultura, mas só entrega mais reuniões e mais tarefas, está a falhar. As SRP mostram um caminho simples, replicável e barato.

            As Silent Reading Parties e os Silent Book Clubs estão a expandir-se a uma velocidade impressionante. O Silent Book Club reporta atualmente quase 2.000 capítulos (grupos locais organizados) em mais de 60 países. Só nos Estados Unidos existem cerca de 1.300 capítulos ativos, e em 2025 estimava-se já a marca de 1.700 capítulos no mundo, com um crescimento acelerado entre 2023 e 2025. Os números confirmam a tendência, pois segundo dados citados pela imprensa, os eventos deste tipo cresceram mais de 200% de 2023 para 2024, acompanhados por uma forte subida na participação.

            A Silent Reading Party clássica nasceu em 2009 no histórico Hotel Sorrento, em Seattle, criada por Christopher Frizzelle. O encontro manteve-se ativo ao longo dos anos, incluindo em formato online durante a pandemia, e continua a realizar sessões regulares. Entretanto, o conceito diversificou-se. O formato Reading Rhythms deu um passo além e profissionalizou a ideia de “reading party” em grandes cidades como Nova Iorque, promovendo encontros massivos em espaços como o Hudson Yards e expandindo com novos capítulos.

            Hoje, o modelo está claramente a internacionalizar-se. A imprensa espanhola, por exemplo, já relata a chegada das reading parties a cidades como Valência e Barcelona, com grande afluência e uma adesão que reflete a mesma onda que começou a crescer em Nova Iorque e que se impôs como fenómeno social.

            As SRP funcionam porque respondem a carências sociais e emocionais muito presentes no nosso tempo. Na verdade, proporcionam um companheirismo silencioso, criando a possibilidade de estar junto sem a pressão da performance. Basta trazer um livro, ler em silêncio e, se quiser, partilhar no final. É pertença com fronteiras claras, sustentada por regras simples e inclusivas.

            Além de que as SRP atuam diretamente naquilo que poderíamos chamar de economia da atenção. O evento cria um tempo de foco, geralmente entre 45 e 60 minutos, onde a responsabilidade é apenas estar presente e respeitar o silêncio. Esse enquadramento permite uma atenção mais sustentada, uma redução natural do stress e uma sensação de progresso pessoal.

            De sublinhar também que as SRP cumprem o papel dos chamados “terceiros lugares” (Ray Oldenburg), entendidos como espaços que não são casa nem trabalho, mas zonas neutras e descomprometidas, como cafés, bibliotecas ou hotéis, que passam a funcionar como novos commons culturais.

            Sob a lente de Bourdieu, a prática confere dignidade ao hábito de ler em público. Ler deixa de ser apenas um retiro solitário e transforma-se num ato cívico, um gesto coletivo de autocuidado. E, pela ótica de Foucault, podemos falar em verdadeiras tecnologias do self, sendo micro-rituais de leitura que, repetidos com regularidade, acabam por reconfigurar rotinas, melhorar o sono e reduzir a dependência de ecrãs.

            Para organizações, os ganhos são concretos. Em termos de performance cognitiva, blocos de leitura silenciosa aumentam a retenção de informação e a qualidade do pensamento estratégico, reduzindo o desgaste do constante context switching. No campo da saúde mental, o silêncio partilhado baixa os níveis de cortisol, diminui a agressividade nas interações e, curiosamente, torna as conversas pós-evento mais densas e significativas.

            A nível cultural, estas práticas promovem inclusão, na medida em que qualquer pessoa, com qualquer livro, pode participar, e não existem dominadores da fala. Isso reduz o silenciamento de perfis mais introvertidos e cria uma experiência equitativa. Finalmente, a nível de marca empregadora, uma organização que adota este tipo de prática envia um sinal claro ao sistema. Valoriza o foco, a aprendizagem contínua e o cuidado humano acima do mero “busywork”.

Este fenómeno em crescendo pelo mundo fora comprova que o silêncio está de volta. Contra tudo e contra todos, o silêncio está a vencer a cultura do barulho pela via mais simples e humana, estando juntos, cada um com o seu livro. Ignoras isto e continuarás perdido com mil estímulos e com to-do lists infinitas. Adotas isto e ganhas ordem, pertencimento e equilíbrio na vida que acontece todos os dias, não no PowerPoint.

            As Silent Reading Parties revelam que, no meio do ruído global, o silêncio partilhado é uma nova forma de comunidade.