“Childhood is the dream that stays with you even after you wake.” Rainer Maria Rilke
(A infância é o sonho que permanece mesmo depois de acordares)

Há personagens literárias que não envelhecem porque nascem do que é eterno. Tom Sawyer é uma delas. Criado por Mark Twain como símbolo da travessia entre a infância e a vida adulta, é a metáfora viva da inocência que o mundo tenta domesticar, com o corpo de um curioso rapaz do sul americano. Há algo de profundamente humano na forma como Tom Sawyer via o mundo, uma mistura de curiosidade e desobediência, de pureza e inquietação. Talvez por isso o seu olhar seja o espelho perfeito do que o Natal nos tenta recordar todos os anos, acolhendo uma espécie de inocência perdida que insiste em regressar.

Mark Twain criou em Tom o retrato de uma alma livre que vivia a vida à procura de aventuras, mas também o retrato de cada um de nós antes de aprendermos o medo, a pressa e o cálculo. No fundo, o Natal é esse breve intervalo em que voltamos a ser o que já fomos, antes da culpa, antes das máscaras, antes das exigências de ser adulto.

Neste tempo em que sentir esperança parece ser um ato revolucionário, deixamo-nos levar pela imaginação na tentativa de desvendar o espírito da época natalícia aos olhos do Tom Sawyer. Porque, através dele, sentimos que se trata de uma autêntica travessia, muito mais do que uma data delimitada no tempo. Tom esperava que o mundo, por um instante, voltasse a ser um lugar mágico onde tudo era possível, e onde acreditar ainda fazia sentido.

Enquanto os adultos se ocupam com listas infindáveis de compras, tarefas, horários e promessas de mudança, Tom sentiria o Natal em tudo o que não tem preço: na liberdade de acreditar, no impulso de fazer o bem só porque sim, na beleza de errar sem o medo de deixar de ser amado. Mark Twain não pintou Tom como um anjo, e é precisamente aí que reside a sua pureza. Ele mente, engana, sonha, foge, ama. Vive. E é isso que o aproxima da alma humana na sua expressão maior, naquele momento prévio a ser moldada pelas convenções.
O Natal, na sua essência, também é isto, a lembrança de uma humanidade ainda viva em nós, por baixo das camadas da urgência, do cansaço e da perfeição que o mundo nos impõe a cada instante.

Nas Aventuras do Tom há uma cena imaginária em que ele observa o rio numa manhã fria de dezembro. O sol reflete-se nas águas, e ele pensa no que significa crescer. Talvez descubra que crescer não é deixar de acreditar, mas aprender a proteger a criança dentro de si, continuando a olhar o mundo com espanto, mesmo depois de o conhecer.

O Affectum gosta deste Natal através dos olhos do Tom, e como ele acredita tratar-se de um tempo que nos remete para o quão importante é suspendermos o ruído da vida que acontece fora por um tempo, um tempo que anda mais devagar, que silencia a mente e que nos permite ouvir com o coração a nossa própria história.  Mais do que um regresso a esse lugar da infância, é a consciência de que essa infância, afinal, ainda vive em nós que mais importa, pois é aqui que reside a grande capacidade de nos continuarmos a espantar vida fora.

Este Natal, o nosso convite é simples! Reencontra em ti o Tom Sawyer que ainda existe, aquele que se suja de esperança, que acredita no bem e no amor para além de tudo, e que encontra beleza na vida, especialmente nas pequenas coisas. Aquele que sempre te lembra de onde vens, desse lugar em que foste e poderás ser sempre, e para sempre, profundamente humano.