PERTENCER É UM LUGAR DENTRO DE NÓS

“Ninguém pertence a lugar nenhum, ninguém pertence a lugar nenhum. Qualquer lugar é casa se houver amor.”

No centro de Americanah, uma pulsação constante atravessa-nos enquanto leitores, a busca pelo pertencimento. Não um pertencimento superficial, o que se molda para caber, mas um pertencimento visceral, aquele que se sente na pele, na linguagem, na memória e no olhar do outro. A autora Chimamanda Ngozi Adichie é magistral nesta narrativa onde as fronteiras geográficas e culturais são apenas cenários para uma questão muito íntima e profunda: quem sou eu, quando estou longe do lugar onde me reconhecem, do meu lugar de origem?

Na perspetiva sistémica, que compreende o ser humano inserido em múltiplas camadas de relações (familiares, culturais, simbólicas e temporais), Americanah mostra-se como um espelho das dinâmicas de identidade, exclusão e integração. Ifemelu, a protagonista, parte da Nigéria para os Estados Unidos, carregando consigo a história do seu país, mas também o silêncio imposto pelas novas regras sociais que a obrigam a reaprender uma nova forma de existir.

Para Ifemelu, o sentimento de pertença revela-se como um grande espaço relacional, afastando a ideia original de estar ligado a um mapa geográfico. A protagonista navega entre códigos linguísticos, expectativas raciais, normas sociais e afetos, de encontros e desencontros, tentando encontrar um lugar onde possa simplesmente ser, sem precisar de justificar a sua existência.

De um ponto de vista sistémico, o desenraizamento vivido por Ifemelu, e por tantos migrantes, visíveis ou invisíveis, ativa não apenas a dor da desconexão, mas também uma força de reorganização interna. A identidade, ao ser desafiada, começa a reconstruir-se como um campo dinâmico, feito de memórias, escolhas e relações significativas.

Americanah também desmonta a ilusão de que a pertença pode ser alcançada por assimilação. Ifemelu percebe que se tornar americana exige, muitas vezes, renegar partes de si. Mas a pertença autêntica, aquela que ressoa com os princípios da abordagem sistémica, não exige apagamento. Pelo contrário, é um convite à inclusão. Incluir a sua história, as suas raízes, as suas dores e contradições. Pertencer, aqui, não é encaixar no molde, mas reconhecer-se no espelho de quem nos acolhe sem nos querer mudar.

O regresso de Ifemelu à Nigéria, a final, confirma que o retorno físico é apenas uma parte do processo. Porque o verdadeiro regresso é ao seu centro, ao seu eixo identitário, à sua voz e à sua inteireza. Este regresso não representa uma mera recuperação da sua identidade original, mas uma reconciliação mais profunda com a sua história e com os diversos sistemas dos quais faz parte.

É neste regresso simbólico ao lugar de origem que se revela a reintegração sistémica, não como regressão, mas como amadurecimento. O reencontro com Obinze, seu amor de juventude, supera o desfecho romântico da narrativa, surgindo como autêntica possibilidade de enraizamento afetivo, não como salvação. Ela já não procura um lugar onde possa pertencer. Ela sabe quem é, para quem é, e essa consciência, em si própria e no outro, é o seu território mais sagrado.

Adichie revela como o pertencimento, longe de ser uma condição estática, é antes um processo contínuo de negociação entre o eu e o outro, entre o individual e o coletivo, entre o passado vivido e o presente reinventado. A protagonista vê-se constantemente entre dois mundos: o da Nigéria, marcado por uma história familiar, por códigos partilhados e por uma identidade racial hegemónica; e o dos Estados Unidos, onde a sua cor da pele se torna um marcador social inesperado, e onde a pertença exige frequentemente a renúncia de partes essenciais de si. Talvez seja este o maior ensinamento de Americanah. Afinal, a nossa casa é o lugar onde podemos ser plenamente vistos. Porque pertencer é bem mais do que fazer parte de um sistema. Pertencer é ser reconhecido na sua humanidade com inteirez