O advogado, tal como muitos outros profissionais que lidam com seres humanos em situações de conflito e muita fragilidade, tem uma especial responsabilidade em adquirir recursos e competências que lhe permitam acompanhar e ajudar efetivamente os seus clientes. O mundo em que vivemos hoje exige competências que extravasam os conhecimentos jurídicos e pressupõe que, para poder estar ao serviço do outro, tem que primeiro cuidar de si e fazer um trabalho profundo de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Só assim conseguirá ter uma postura neutra, longe da tentação de querer salvar o outro em que tantas vezes cai por conta dos seus próprios emaranhamentos. Só assim poderá ajudar o cliente a atuar desde um lugar de adulto e responsável pela vida que acontece e suas circunstâncias, aceitando-a tal como ela é, e permitindo-se seguir pela vida por caminhos diferentes daqueles que esperavam dele, firme e assertivamente. Desta forma poderá exercer a advocacia destituída de intenção e absolutamente livre quanto ao seu resultado, e dizer ao cliente, de alma e coração, “eu vejo-te”.
Este é para mim o verdadeiro significado do estar ao serviço como advogada, como alguém a quem verdadeiramente importa a vida do outro, a solução efetiva do conflito que lhe é confiado com a procura da verdadeira raiz desse mesmo conflito. Porque é aqui e só aqui, na sua origem, que o cliente poderá encontrar paz na solução que pretende.
O olhar sistémico do advogado, um olhar ampliado e mais além sobre o conflito, “que sempre se estabelece devido a uma visão limitada”, como ensina o juíz Sami Storch, implica o domínio da arte da ajuda que, “como toda a arte, requer uma destreza que se pode aprender e exercitar. Também requer empatia com a pessoa que vem à procura de ajuda. Quer dizer, implica compreender aquilo que lhe corresponde e, ao mesmo tempo, transcende-o e orienta-o em direção a um contexto mais global” (Bert Hellinger).
Para tudo isto, que se apresenta como um complemento fundamental da boa aplicação do direito no dia a dia desta profissão, importa atender, para além das leis sistémicas ou ordens do amor (do pertencimento, da hierarquia e do equilíbrio entre o dar e receber), às ordens da ajuda que Bert Hellinger tão visionariamente preconizou. Porque a arte da ajuda aprende-se, integra-se e exercita-se, servindo tanto para quem ajuda como para quem é ajudado.
ORDENS DA AJUDA
– Só posso dar o que tenho e receber o que preciso
Aqui reside o verdadeiro equilíbrio entre o que damos e recebemos, que acontece dentro dos limites daquilo que temos para oferecer ao outro e das suas reais necessidades. Quando vamos além daquilo que temos, ou quando damos mais do que o outro precisa, cria-se uma desordem na relação entre o advogado e o cliente, de onde resultará necessariamente fragilidade, insatisfação e desconforto de uma das partes. O advogado nunca deve fazer pelo cliente o que ele pode (e deve) fazer por si mesmo, tal como acontece na relação dos pais com os filhos. Aqui importa acima de tudo que o advogada perceba a real necessidade e vontade do cliente no que toca à ajuda que procura, respeitando absolutamente este limite.
– Assentimento – tomar a realidade tal como ela é
O cliente chega com uma história, que sempre vai além daquilo que ele conta. Importa perceber o que está por detrás dessa história, o que existe para além do aparente, compreendendo o verdadeiro contexto da sua situação. Desta compreensão resultarão claros os limites do advogado de modo a que a sua intervenção, humildemente, não os ultrapasse. É fundamental o advogado perceber qual o momento certo para agir e qual o momento certo para nada fazer, aceitando a realidade e circunstâncias do cliente.
– Tratar o outro como adulto
A relação do advogado/cliente é de adulto para adulto. Trata-se da maturidade necessária, quer da parte do advogado, quer do cliente. Releva assumir o lugar de adulto para que o outro o assuma também, assumindo a responsabilidade que toca a cada um. Desta forma, o cliente sentir-se-á capaz do que for necessário para superar as suas dificuldades, acreditando em todo o seu potencial para conseguir resolver os desafios que a vida lhe oferece e conquistar a transformação que se impõe. É a chamada maturidade consciente.
– Ouvir o cliente como parte de um sistema
O advogado deve ouvir a questão do cliente, não como um ser humano isolado, mas sim verdadeiramente integrado nos seus relacionamentos, atuais e ancestrais, respeitando todo o seu sistema. O advogado deve olhar o cliente tanto quanto a outra parte, a que aparentemente está contra. Este olhar que integra todos, especialmente os que mais influenciam a vida do cliente que, na maior parte das vezes, são os excluídos da história narrada. Talvez aqui esteja a origem do conflito e a grande possibilidade da solução.
– a prática do não julgamento
Não julgar, respeitando a história de cada pessoa, aceitando-as como elas são, percebendo os caminhos que fizeram e que as trouxeram aqui. Isto equivale a dar espaço no coração para o assentimento de tudo o que compõe a história do cliente, estando assim o advogado verdadeiramente ao serviço de algo maior, promovendo a paz e a reconciliação.
Aplicando no seu trabalho as leis sistémicas e as ordens da ajuda, o advogado integra-se neste movimento da justiça sistémica a que assistimos, onde as pessoas se (re)conhecem na potência e sensibilidade de quem escolhe assumir a responsabilidade pela sua vida, e, em nome de uma maturidade consciente, travar as suas lutas por e com amor.
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