Falar de justiça sistémica é falar de amor e de coragem.

É confiar no poder do conflito como um lugar de encontro de seres humanos que se permitem conhecer melhor através do olhar sistémico que transforma as suas vidas, um olhar sobre todos os que compõem o conflito e não só sobre cada um.

Falar de justiça sistémica é acreditar nas regras ocultas que governam as relações humanas e de onde brotam os conflitos.

É olhar o conflito de um lugar de adulto e de responsável pela própria vida, e procurar a raiz da tensão que se esconde para além do aparente. É, assim, superar o lugar de vítima, de salvador ou de acusador onde facilmente caímos, aceitando que não há outro lugar a ser ocupado na vida que não seja o nosso lugar. De advogado, de cliente, ou de qualquer outro.

Falar de justiça sistémica é aplicar a filosofia de Bert Hellinger no dia a dia do mundo jurídico, percebendo a ligação direta que existe entre esta filosofia e o Direito, de onde nasce a filosofia jurídica sistémica.

Trata-se de um movimento que tem crescido em todo o mundo e que promove a justiça através da paz, da possibilidade de sermos vistos, amados e respeitados, e que já se faz presente através de muitas Comissões de Direito Sistémico espalhadas pelo mundo, pelos tribunais e sistemas prisionais, designadamente no Brasil e Argentina, havendo também magistrados em Portugal que atuam sistemicamente.

A aplicação das ordens ou leis do amor a uma relação em conflito traz informação, luz, entendimento sobre o que se está a passar no sistema familiar, organizacional ou em qualquer outro. É verdade que Isto não faz necessariamente desaparecer o conflito, mas permite encará-lo de uma forma diferente, o que muitas vezes se mostra ser o bastante.

Ter presentes no conflito as leis sistémicas do pertencimento, hierarquia e do equilíbrio, permite chegar a uma solução que não passa por ganhar ou perder, como acontece no sistema jurídico tradicional em que as partes delegam num juiz o poder de decidir sobre a sua vida. Nada melhor do que as partes para conhecerem a melhor solução, pois, como dizia Anthony de Mello, “seja qual for o problema, se és tu que sofres, és o único que o pode resolver”.

Este movimento em expansão de pacificação e harmonização das relações que resulta da resolução sistémica dos conflitos permitirá um crescente descongestionamento do sistema judicial, o que se afigura uma das grandes vantagens desta abordagem.

A questão que se coloca é, e como se faz isto? Para mim, a prática de uma advocacia mais humanizada trouxe-me um reencontro feliz comigo e com esta profissão, ao mesmo tempo que me permitiu uma compreensão ampliada da justiça. Hoje sei que a verdadeira justiça acontece quando se alcança paz no sistema em crise, e não quando se obtém uma sentença em que um ganha e outro perde, o que agradeço profundamente ao Dr. Sami Storch, juiz de direito e facilitador de constelações do Tribunal de Justiça do Estado da Baía, no Brasil.

O olhar mais amoroso sobre todos os conflitos, os meus e dos meus clientes, a integração do direito clássico com as práticas sistémicas e de todas as partes em causa, bem como o uso das constelações sistémicas e dos ensinamentos da psicogenealogia e da terapia transgeracional, permite o entendimento das leis sistémicas em crise num determinado conflito. Dessa consciência resulta um grande alívio na tensão existente entre as partes, surgindo daí muitas vezes os recursos para que possam, por si, encontrar a solução.

Essa solução é o reflexo de um acordo sistémico que as partes alcançam, que mais não é do que serem capazes de lidar com o inconsciente que as une no conflito de uma forma consciente. Como ensinou Bert Hellinger, “A solução está dentro do próprio problema. É o problema que nos força a encontrar a solução. E quando não estamos abertos a procurar as nossas soluções, vamos continuar a transferir os problemas para outras relações. Todo o conflito é um presente”.

A meu ver, este novo olhar a que nos convida a justiça sistémica ficará gravado na história como um momento de mudança de paradigma em que o conflito deixará de ser entendido como algo que separa as pessoas, como tradicionalmente assimilamos. Este movimento em expansão levar-nos-á a um lugar onde perceberemos que, afinal, o conflito une, e a solução liberta.

Artigo publicado por VS Advogados