“AO HONRAR OS PAIS, ALGO SE ORGANIZA NAS PROFUNDEZAS DA ALMA.”
BERT HELLINGER
Na entrevista que deu à Oprah e que pode ser vista na Netflix, Viola Davis partilha a infância difícil e traumática que viveu em condições de extrema pobreza e precaridade. Viola viveu as maiores dores na sua infância, foi rejeitada, discriminada e agredida na escola, passou fome e frio, sofreu de abuso sexual e foi sujeita a muita violência em casa por parte do pai, que era alcoólico.
Apesar de mundialmente reconhecida como atriz, produtora e já considerada pela Time uma das 100 pessoas mais influentes do planeta, Viola confessa que chegar ao topo não preencheu o vazio profundo que sentiu ao longo da sua vida. Finding Me, o livro que publicou recentemente, é o mergulho profundo que fez para atravessar as suas dores e feridas, revivendo as memórias impregnadas no seu corpo e na sua alma, e é, acima de tudo, o resgate da sua criança interior, de uma menina muito sofrida e magoada que vivia dentro dela e que precisava de ser vista.
“Quando não sabia mais o que fazer com o meu futuro, voltei à menina que fui para ganhar impulso”. Assim, de coração aberto, Viola reconhece que também o que lhe faltou foi recurso e que o fundamental é fazer as pazes com a própria história. O que fez, humanizando os pais, aceitando que também eles são humanos e que, por isso, por vezes acertaram e outras vezes erraram como toda a gente, fazendo o possível e o melhor que souberam em cada momento.
O julgamento dos pais retira força aos filhos. Só quando deixamos de os julgar conseguimos ver tudo o que, apesar de, recebemos e esteve disponível o tempo todo para nós. Este não julgamento anuncia a possibilidade de rompermos com a perpetuação da violência e da dor que carregamos e defende a prática transformadora do amor, afastando o medo e libertando a alma.
Humanizar os pais humaniza-nos.
É um processo de expansão e liberdade só possível quando os olhamos na sua plenitude e os aceitamos como são, reconhecendo os seus limites, as suas dores e as feridas das crianças que também neles habitam. Assim, podemos libertá-los da responsabilidade de serem perfeitos, libertando-nos para cuidar das nossas feridas e transformar os pais ideais nos pais reais que escolhemos.
Ser capaz de olhar para além da mãe e do pai é escolher a cura da nossa criança interior e agarrar a grande oportunidade de transmutar a dor.
É uma postura de grandiosidade da alma ser capaz de ver a mulher e o homem, a menina e o menino, para além da relação por vezes doente que arrastamos com os pais ao longo da vida. Não para os salvar, mas sim para nos libertar do peso que carregamos às costas. Tudo o que os nossos pais fizeram, tudo o que não puderam dar e a forma como feriram nada diz sobre nós, os filhos, mas sobre eles. Sobre a história que também eles carregam e o quão feridos foram também.
Honrar os pais não significa concordar com tudo o que fizeram.
Honrar os pais é reconhecer que tu existes porque eles existem e te deram a vida, e que cada um dos antepassados viveu para que a vida chegasse até ti.
A paz interior acontece assim, quando reencontramos o nosso lugar no mundo.
E este reencontro só acontece quando nos sentimos profundamente a importância de nos alinharmos com o nosso sistema familiar, aceitando-o. Quando nos curamos.
Honrar pai e mãe liberta-os.
Honrar pai e mãe liberta-nos.
Artigo publicado na Artigo publicado na Revista SIM n.º 271 | JUNHO 2022
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