“O inconsciente tem razões que a mente não entende.”

Eric Corbera

Sabemos hoje que a informação constante do nosso ADN vai muito para além dos códigos genéticos. Na verdade, apenas 10% do nosso ADN é composto por genes e os restantes 90% são um código de linguagem que, por exemplo, nos dá a capacidade de falar. Poderemos dizer que o ADN é uma espécie de história escrita da nossa ancestralidade, como se de um diário das gerações passadas se tratasse, um verdadeiro acervo de toda a história da nossa origem, evolução e dispersão genealógica.

E tu perguntas: o ADN tem memória? Os traumas e as dores dos nossos antepassados podem estar em nós e revelar alguns dos nossos bloqueios?

E eu repondo: sim!  Para além da cor dos olhos, da predisposição para algumas doenças ou dos dons, herdamos da nossa família as feridas, os medos, as sensações, os traumas e a forma como gerimos as nossas emoções. Tudo isto está de certa forma guardado no nosso inconsciente e podemos-lhe chamar herança transgeracional.

A palavra Transgeracional é composta pelo prefixo trans que significa através de… ou para além de…, e geracional quer dizer relativo às gerações. Transgeracional é, portanto, o estudo dos fenómenos, circunstâncias, memórias dolorosas, segredos e silêncios dos nossos antepassados.

O que no passado ficou escondido ou reprimido provoca vazios existenciais na vida dos descendentes, sendo possível percebermos que podemos estar a rejeitar ou a repetir padrões comportamentais e a viver ansiedades e traumas que, na verdade, não são nossos. Esta consciência é-nos dada pelo estudo da história dos nossos antepassados, que nos permite aceder a informação que, depois de integrada, poderá transformar e curar.

Ao longo dos séculos assistimos a diversas abordagens dos fenómenos de repetição inconsciente. Freud falou na “alma coletiva da família”, Carl Jung no “inconsciente coletivo”, e Moreno no “co-inconsciente”, mas foi a psicóloga francesa de origem russa,Anne Ancelin Schützenberger que, em 1950, estudou e batizou um novo campo de estudo que hoje se designa de psicogenealogia ou psicologia transgeracional.  Para a psicóloga, os legados psicológicos familiares, como o trauma transgeracional, podem perpetuar-se durante sete gerações, não sendo apenas fruto da aprendizagem social. Ao longo de várias gerações vamos criando lealdades inconscientes ou alianças familiares invisíveis, que se definem como repetições de padrões relacionais, positivos e negativos, que por um pacto de amor e solidariedade com aquele antepassado, nós repetimos ou evitamos. Estainfluência vai muito para além da nossa experiência e memória, ficando guardada no nosso inconsciente e gravada na memoria do nosso ADN.

A terapia transgeracional é uma abordagem psicoterapêutica que pretende trazer à consciência o que está no inconsciente familiar profundo, permitindo identificar e libertar crenças e valores que herdamos, para desta forma conseguirmos eliminar os bloqueios.

Com esta análise transgeracional e um mergulho profundo no inconsciente do nosso passado sistema familiar, o não dito é revelado e permite reparar e libertar, não só os elementos do passado, mas também os seus descendentes.

É por isso que a análise transgeracional implica uma profunda catarse de libertação e transformação. Tomarmos consciência das histórias do passado permite-nos entender e aceitar a possibilidade de nos libertarmos dessa contínua reparação de dores dos antepassados. Conscientes, poderemos abraçar livremente aquele padrão ou escolher outro que nos traga mais leveza para a nossa vida.

Artigo publicado na Artigo publicado na Revista SIM n.º 270 |  Maio 2022