São muitos os casos que nos têm chegado a impor soluções alternativas na resolução dos conflitos, quer pela natureza das relações em causa, quer pela incapacidade dos tribunais em resolver os meandros da natureza humana. Bem sabemos que os conflitos fazem parte das relações que construímos, tornando-se por vezes muito complexos e de difícil manutenção. É nestas situações, quando não mais se consegue controlar os aspetos negativos, que se tende a optar pela via litigiosa e judicial, muitas vezes pelo simples facto de se desconhecerem os meios de resolução extrajudicial, ou alternativos, de conflitos. Assim, no sentido de dar voz a estas soluções mais humanizadas, hoje falamos com a Sofia Salter Cid, mediadora.

Como surgiu o seu interesse pela área da mediação?

A área da família sempre esteve muito presente no meu percurso profissional. Começou com a especialização em sociologia da família e evoluiu para as questões da educação e parentalidade. Ao longo dos anos e do contacto que fui tendo com diversas famílias, percebi que muitas vezes os pais não tinham consciência do impacto do conflito no desenvolvimento da criança, nem reconheciam a importância do vínculo parental no desenvolvimento infantil.
A partir daí, desenvolvi este tema com equipas de lares de infância e juventude, através de formações e supervisão, mas fui sentindo um apelo cada vez maior de estar mais perto das famílias e desenvolver um trabalho mais interventivo e sistémico. A mediação de conflitos surge desta vontade de transformar e alinhar vidas, que por algum motivo a dada altura se desencontraram, deixando de ter objetivos comuns.


O que é, então, um mediador?

O mediador é uma terceira pessoa, neutra e imparcial ao conflito que promove a tomada de consciência e aproxima as partes. Para tal, apela ao bom senso e à definição de soluções conjuntas e cooperativas, que permitam a tomada de decisões ponderadas e que tenham em conta o bem estar de todo o sistema familiar.


Pela sua perspetiva, como carateriza a mediação e de que forma é que poderá ajudar na resolução
dos conflitos?

A mediação é um processo que visa apoiar as famílias e indivíduos na resolução de conflitos, promovendo uma convivência com respeito e colaboração. Através do apoio, isenção e imparcialidade do mediador, os mediados conseguem identificar o conflito com olhos de cooperação e não de divergência.

Na minha opinião, apesar de ser visto como algo negativo, o conflito de ideias é também necessário pois leva ao nosso crescimento e desenvolvimento. O impasse surge apenas com os pensamentos de irritação, medos e outras experiências de provocação e de desafio.
Contudo, as nossas perceções são a nossa realidade pessoal e não existe forma certa ou errada sobre como experienciamos os nossos conflitos e disputas. Quando o individuo adquire esta perceção, inicia um processo de foco na solução em vez de focar no problema, e é isto o que a mediação permite alcançar.


As pessoas só poderão recorrer à mediação quando um litígio se encontra a decorrer em tribunal?

Sim e não. Com isto quero dizer que dependerá da situação e em que estado se encontra, pelo que podemos considerar, de certa forma, que existem dois sistemas de mediação.
O sistema de mediação pública está mais direcionado para a resolução de litígios que, de alguma forma, já adquiriram contornos jurídicos e onde o objetivo é chegar a um acordo escrito, que sirva as partes.

Na mediação privada ou na mediação que desenvolvo no projeto Affectum, o objetivo é uma intervenção mais precoce, que promova a reformulação das relações familiares, respeitando os vários ciclos vitais da família e que olhe o conflito de forma positiva e transformadora.
De modo a evitar que o conflito tome proporções mais morosas e angustiantes para todos os envolvidos e antes de culminar no seu ingresso pela via judicial, a mediação poderá ser sempre uma opção a ser considerar e utilizada de forma preventiva.


Quem participa na mediação?

Se considerarmos um conflito familiar, todo o sistema familiar pode participar. Todas as famílias são únicas, na sua forma de estar e de se relacionar. Pode haver situações onde é trabalhado apenas o casal e pode haver situações onde seja fundamental a participação, por exemplo, dos avós. Depende da forma como o sistema se organiza.


Sendo todo o sistema familiar, nesse caso, as crianças ou jovens também podem entrar no processo de mediação.


Sim, podem entrar. Ao ter-se como objetivo alcançar o equilíbrio do sistema, e utilizando uma intervenção sistémica que trabalhe o conjunto familiar, podem ser necessárias sessões conjuntas ou individuais com os vários elementos que o constituam, o que poderá incluir, sim, a participação de crianças e dos mais jovens.

Como é desenvolvido esse trabalho com as crianças?

O principal objetivo é apoiar a criança na adaptação à nova estrutura familiar. Por exemplo, após um divórcio, é importante que a criança perceba a diferença entre relação conjugal e relação parental.
É frequente que ela apresente algumas dificuldades e tristeza na adaptação à nova realidade e para as trabalhar existe um programa relacionado com competências cognitivas, emocionais e sociais. Com este programa, a criança ou adolescente desenvolve capacidades que lhe permitam reconhecer, expressar e gerir emoções, construir relações saudáveis, estabelecer objetivos positivos e dar resposta às suas necessidades.


Quais as suas expectativas para o futuro da mediação em Portugal?

A mediação, nos últimos anos, tem dado pequenos passos e tem vindo a ganhar cada vez mais terreno. Contudo, creio que ainda serão necessários novos avanços na tomada de consciência da família enquanto sistema.

Sendo a questão do conflito tão complexa, principalmente no que toca aos conflitos familiares, torna-se cada vez mais fundamental trabalhar as situações de discórdia de forma mais humanista. Hoje sente-se que a multidisciplinaridade começa a ser uma exigência e a conjugação de várias metodologias e técnicas são amplamente convocadas, o que permite encontrar consensos e reformular relações.

Importa cada vez mais, olhar o direito e a regulação ou mediação de conflitos, de uma maneira mais ampla, respeitadora do individuo, assente na tomada de consciência de cada um e do outro, através da responsabilização pelas escolhas elegidas (por si mesmos), o que contribuirá também para evolução da própria sociedade e dos indivíduos enquanto seres relacionais. 

Entrevista publicada na Revista SIM n.º 256 – janeiro 2021