Quem é a Paula Viana, a advogada ao serviço da reconciliação, da paz e do Amor?

A Paula Viana é hoje uma advogada mais feliz e realizada que se sente, finalmente, a atuar na justiça em nome de um mundo melhor e de algo maior. Nem sempre foi assim, pois viveu grande parte da sua vida com a sensação profunda de não pertencimento e de injustiça, o que a levou a decidir, com apenas 11 anos, estudar direito e dedicar a sua vida à justiça e ao desenvolvimento humano, pressentindo o quão estes dois mundos andam de mãos dadas. 

Nasceu em África há cinquenta anos, viveu em três continentes e, apesar e para além de tudo, sempre sentiu um grande amor pela vida em todas as suas manifestações, e uma infinita gratidão pela vida que recebeu de seus pais, Cecília e José, através de quem descobriu uma relação que pode resgatar da sombra qualquer um e curar as feridas que carregamos dentro. E foi neste encontro, e no processo de crescimento interior a que dedicou a sua melhor energia, que descobriu a sua história desvendada à luz das histórias de quem viviu antes. Nas histórias conhecidas e desconhecidas, pressentidas, sonhadas, sentidas, sofridas e imaginadas dos seus antepassados, que se interligam e se repetem ao longo do tempo, está a grande reflexão sobre o sentido da sua vida e a ponte que une os dois mundos que pareciam distantes: a justiça e o desenvolvimento humano. Para tanto, foi crucial conhecer o trabalho do Dr Sami Storch, juíz de direito, e dele receber os ensinamentos que permitem aplicar no direito as constelações familiares sistémicas e as leis do amor como caminho para a resolução de conflitos. O que faz, juntamente com a psicogenealogia e a análise transgeracional, tudo em nome da pacificação dos conflitos e da paz no sistema onde eles surgem, encontrando, assim, a manifestação mais amorosa da justiça, aquela em que a solução é revelada por e através do amor. 

Em que momento da vida percebeste que “os problemas legais não existem”? Fala-nos um pouco do caminho que percorreste até chegar à Justiça Sistémica.

Em rigor, eu diria que os problemas não existem per si. O problema está na reação que temos ao que acontece, e aqui entramos no domínio das emoções e de tudo o que carregamos em nós, tantas vezes memórias dos nossos antepassados, que nos faz reagir e não agir, como idealmente poderíamos.  A questão coloca-se sempre em termos de relação com o outro, pois é aqui que todos os conflitos se dão, e é exatamente aqui também que temos a grande oportunidade de nos conhecermos melhor para podermos criar relações mais saudáveis, autênticas e profundas. Se formos capazes de nos colocarmos no lugar do outro, de quem nos enfrenta, saindo da nossa perspetiva no pressuposto de que a sua realidade é diferente da minha, de o escutar ativamente, e de aceitar as coisas que acontecem tal como são, seremos capazes de avançar assumindo o lugar de adulto e agindo como tal. E aqui, grosso modo, a ressonância entre as partes fala mais alto e a conciliação acontece no domínio da alma, de onde resulta o verdadeiro sentimento de paz. No entanto, quando os clientes entram no escritório, o que percebo é que na maioria das vezes não é o adulto que fala, mas sim a sua criança ferida, tantas vezes no lugar de vítima, querendo “justiça” a qualquer preço, perpetuando guerras que muitas vezes não são suas, porque o mais fácil é sempre zangarmo-nos e alimentar o conflito, apesar de todo o mal-estar que acarreta. Foi nesta observação ao longo dos anos que senti serem insuficientes as normas jurídicas na resolução dos conflitos, sendo para mim essencial todo o trabalho que o advogado tem no sentido de ajudar o seu cliente a voltar ao seu lugar de adulto e de sair ele próprio do lugar de salvador (onde tantas vezes se coloca). E foi por isto que a minha incessante busca pelo (auto)conhecimento um dia me trouxe, através da minha própria experiência e das constelações familiares, a consciência da importância do respeito pelas leis do amor (ou leis sistémicas) nas relações e no seu equilíbrio, e a necessidade de um olhar ampliado sobre as todas as questões, razão pela qual o olhar sistémico passou a ser indissociável da minha própria vida e do trabalho que presto aos meus clientes. Falar de justiça sistémica é para mim falar de coragem e de tudo o que nos leva a sermos capazes de pensar e de agir com o coração.

Como chegam as constelações familiares à tua vida? Que papel representam na descoberta do caminho do meio, daquele que aporta paz e equilíbrio para todas as partes no conflito?

Um dia sonhei com um espaço de desenvolvimento humano onde as pessoas poderiam olhar amorosamente para as suas dores, as suas inquietações e para tudo o que compõe o seu ser de forma a se poderem conhecer melhor para viverem mais livres, felizes e em estado de presença. Para, assim, mais conscientes, serem capazes de resolver os seus próprios problemas, pois acredito que a solução é sempre individual, ressoando depois nos demais, porque tudo é energia. Na verdade, tudo o que eu trabalhar em mim vai ressoar nos outros. O trabalho pode ser pessoal, mas o seu impacto dá-se ao nível do coletivo. Assim, eu e as minhas emoções difíceis sonhamos com este lugar a vida toda, tal era a necessidade de cuidar de mim e dos outros neste processo de transformação pessoal constante. Assim surgiu o Affectum, um espaço de desenvolvimento humano e de consciência sistémica onde conheci esta ferramenta das constelações familiares que é para mim uma filosofia de vida. Desde aí, a sua ligação ao direito e à prática da advocacia foi imediata e inevitável, e todo o meu processo interior e pessoal transformou o meu trabalho, assim como toda a formação que fiz de direito sistémico com o Dr. Sami Storch, e de constelações familiares (com a Maria Gorjão Henrique, o Joan Garriga e o Fernando Freitas). Este movimento em expansão que preconiza a aplicação da filosofia de Bert Hellinger ao trabalho diário do dia a dia no direito a todos os que se ocupam da resolução e conflitos afastou de mim o desencanto com a profissão que senti durante tantos anos, pois fui treinada para lutar e ganhar, o que fiz cegamente e gerou um grande vazio dentro de mim. Hoje, depois de ressignificado o meu papel enquanto advogada, acredito numa verdadeira justiça para a paz quando vejo os clientes a tentarem identificar a raiz dos seus problemas, colocando-se no lugar de adultos para, desde aí, reprogramarem todos os seus mecanismos inconscientes e seguirem, livres e responsáveis pela própria vida. É aqui que todos percebemos quão o conflito é uma grande oportunidade de crescimento e o grande papel das constelações familiares nesse processo.

Este olhar sistémico que abarca as constelações familiares dá voz e materializa as palavras que Gandhi nos deixou: “A verdadeira função de um advogado é unir as partes em desacordo”. Gosto cada vez mais de acreditar nisto!

Quais as ferramentas e métodos que aplicas na resolução dos processos que te são confiados?

Hoje é difícil para mim dissociar as várias ferramentas com que trabalho, pois tudo compõe a postura sistémica com que encaro todos os processos que me confiam. O que não quer dizer que só trabalhe com constelações familiares ou análise transgeracional, pois efetivamente trabalho processos em que isto não acontece. Mas agora o lugar de onde atuo é outro, mais neutro e destituído de qualquer intenção de salvar o outro. Acredito que tudo faz parte do todo, e que muitas vezes não é possível nem adequado um acordo, e está tudo bem.  Mas, na verdade, são cada vez mais os casos que surgem e exigem conhecimentos e ferramentas que vão muito além da escuta ativa e da comunicação não violenta, tendo especial destaque as constelações familiares sistémicas, a psicogenealogia e a terapia transgeracional, tudo sempre a somar algo à aplicação das normas jurídicas. E com isto não deixo de me surpreender com  o efeito que toda a informação que vem do domínio do inconsciente tem nos processos, sendo fundamental para que todos consigamos mudar a forma como vemos o conflito, possibilitando soluções em que o propósito maior é a paz no sistema em causa. A meu ver, trata-se de exercer a advocacia de uma forma muito mais humanizada.

Sendo esta abordagem sistémica inovadora na justiça portuguesa, por natureza conservadora, quais os desafios que enfrentas diariamente?

O olhar sistémico sobre um conflito pressupõe inclusão, não separação, e o respeito absoluto por tudo o que veio antes no que toca ao sistema mais tradicional do direito. Mas a vida é mudança e transformação, e os tempos que vivemos pedem soluções criativas e apaziguadoras, soluções que vão muito além do simples ganhar ou perder. Desta forma, ter presentes no conflito as leis sistémicas do pertencimento, da hierarquia e do equilíbrio somará algo positivamente ao processo, e potenciará uma solução pacífica entre as partes que, em crescendo, descongestionará o sistema judicial. A meu ver, todo este movimento em expansão tem muito a acrescentar ao mundo do direito nas suas várias vertentes, e em momento algum o afronta ou põe em causa. O trabalho que eu faço muitos o fazem já há muito tempo noutros países, com resultados impressionantes que falam por si. Bem sabemos que tudo o que é novo e diferente do habitual pode causar estranheza e desconforto, mas sendo um movimento ao serviço da paz e de algo maior será, a meu ver, amorosamente acolhido e integrado, como acaba por acontecer a todos os ventos de mudança.  É um caminho que pode trazer paz para o mundo, porque todo o trabalho que fazemos dentro repercute-se fora quando estamos ao serviço do coletivo.

Qual o sonho por detrás do Affectum? O que te move?

O Affectum é um filho da alma muito querido e desejado, e que tem vida própria.

É um espaço onde cresço todos os dias, onde me trabalho profundamente para poder ajudar e trabalhar com os outros, quer na advocacia, quer no desenvolvimento humano.

É um espaço ao serviço da vida, onde me incluo e me rendo ao grande mistério que a vida é.

É um projeto que desenvolvo de mãos dadas com a Sofia e que tem como grande missão ajudar as pessoas a ser quem realmente são.

É uma luz que me ajuda a aceitar a vida tal como ela é, a acolher a minha criança interior e a seguir pela vida como adulta que sou.

É o lugar da grande descoberta de mim:  “o meu corpo é a minha casa”.

É amor em movimento, e

Será o legado mais bonito que deixarei ao meu filho.